Tuesday, May 19, 2020

Carlos Caseiro acende um cigarro no escuro.

Noite fria e tempestuosa. O bairro, sem energia mergulha no escuro primitivo de uma civilização à luz de velas. O uivo do vento compete com as buzinas dos carros enfurecidos de um trânsito caótico sem semáforos. Nenhuma tv, sem som nem micro-ondas, Carlos Caseiro dá o melhor de si na bebida, fuma como se tivesse os pulmões de um garoto, embora tussa e escarre como o velho que é.

Ele tem medo. Medo do silêncio revelador da consciência em culpa. Da falta da distração e da mente livre pra buscar bem no fundo aquilo que se tenta abafar com a bebida e o trabalho. Rotinas protetoras. Tão frágeis como a cinza que cai de um cigarro esquecido.

Na janela num prédio qualquer, Carlos Caseiro vê os funcionários da companhia de fornecimento de energia chegarem num caminhão luminoso, escadas foram erguidas e apoiadas nos postes, homens com capacetes levantam ferramentas pesadas e gesticulam uns para os outros. Mais um copo de whisky sem gelo. O cinzeiro emite uma fumaça brilhante e amarela. Caseiro enxerga vultos sorrateiros movidos pela luz das velas acesas.

Ele sabe.

Naquele momento ele sabe que está sendo observado. Tem consciência da presença maligna que habita sua vida e do fardo pesado que é carregar a responsabilidade de suas escolhas erradas. Do escuro, no canto da sala, o desespero aguarda o momento em que possa agir, e deixar a vida de Carlos Caseiro submersa em dor e solidão.

É o medo do escuro. Infantil e inocente. Traz consigo nossos piores demônios.

É o remorso, é a transgressão e o arrependimento.

É a claquete das almas. Batendo no filme da morte.

Os funcionários da companhia de energia fazem seu trabalho. A eletricidade refaz seu caminho, e volta a abastecer os aparelhos que garantem o conforto dos homens. As casas se iluminam novamente.

Carlos Caseiro suspira aliviado. Olha receoso para o canto da sala atrás da cortina. Não há nada. Na claridade artificial permitida pela lâmpada no teto, o mal não consegue se manifestar.

Na tv ligada, o jornalista discursa sobre coisas ruins que acontecem. Carlos Caseiro não se importa. Nada teme. Ele não precisa mais ter que encarar a si mesmo. Aclarado ele controla seus pensamentos. E uma ideia brilha em sua mente. Mas essa história será contada mais tarde, no seu devido tempo.

 


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