Monday, January 24, 2011

Quatro horas da tarde, e eu vagava bêbado, sujo e perdido pelas ruas escaldantes no verão daquele ano miserável. E era naquele momento um retrato bem fiel da minha condição, enquanto homem racional. Eu não tinha para onde ir, por isso ia pra qualquer lugar, a procura de bares nas ruas estreitas do canto da cidade.
Em uma das tardes algo aconteceu, resolvi tomar uma sopa em uma cafeteria do centro, perto do antigo cinema, as ruas eram largas e um canteiro com altas palmeiras dividia o trafego dos carros, me pareceu estranho na hora, mas não havia ninguém naquele momento a vista, nenhum veiculo, nenhum cachorro, nada, não havia nada, a não ser o sol imenso a radiar no céu. Sentei no fundo perto da televisão, o ultimo lugar do balcão. De cabeça baixa eu observei as mãos de uma mulher se aproximar com o bloquinho de anotações, meu pedido foi uma sopa de legumes e uma dose de vinho, do vinho mais barato que eles tivessem, nem olhei na cara da garçonete, e esperava impaciente a comida e a bebida.
O prato foi entregue pelas mesmas mãos que me atenderam, dessa vez sem o bloquinho.
A sopa estava ruim e a dose veio pequena, não era o meu dia de sorte.
Com a colher na boca eu senti alguma coisa estranha na sopa, alguma coisa sólida demais, cuspi de volta sobre o balcão e não acreditei no que meus olhos presenciaram, um band-aid todo molhado e enrolado, usado e agora na minha sopa, em momentos anteriores dentro da minha boca em contato com a língua.
Irado eu joguei o prato para o alto e a taça de vinho no ventilador, falei alto e nervoso com os atendentes, reclamei mostrei o band-aid e xinguei a mãe de cada um deles.

Mas foi quando eu vi.
A criatura mais bela que deus já criou.
Nenhuma palavra descrevia a beleza daquela mulher.
Dona das mãos que me atenderam. Seu rosto envergonhado pelos meus gritos.
Com um pequeno corte exposto em um dos braços, faltando justamente o band-aid que eu tinha chupado.

Sem falas pelo terrível mal que eu acabara de fazer aquela mulher, a garçonete, eu não sabia o que dizer, todos notaram minha repentina mudança de comportamento, eu não conseguiria olhar nos olhos dela novamente, de cabeça baixa eu saí da lanchonete, corri pela avenida dessa vez muito movimentada, cheia de carros e pessoas com sacolas desviando dos cachorros e dos mendigos no chão, corri tanto e tão rápido que meus pulmões começaram a arder, queimavam como fogo de uma enorme churrasqueira cheia de carne, mas eu não parava, e quando eu não consegui mais suportar o cansaço entrei num beco, pequeno e sujo, e me joguei de joelhos.
Eu via na minha memória a garçonete.
Seu rosto angelical coberto de vergonha.
Seus olhos pequenos vermelhos de tanto chorar.
Mas dessa vez sou eu quem está chorando, e as lagrimas escorem pelo meu rosto sujo e deixam um rastro escuro.
E meu coração a se torturar.
Tudo isso porque eu tinha dentro de mim, um pedacinho dela.
E eu nunca mais iria esquecê-la.

Wednesday, January 19, 2011

A tarde passou lentamente.
A noite avançou e me fez acender as velas pela casa.
A chuva caia incessante.
O telefone não tocava.
Ele não tocava.
Agora a chuva estava mais forte, fazendo estrondos no céu.
Alguma coisa estava para acontecer, porque os pássaros estavam todos indo embora.


Na minha casa, eu esperava a chuva diminuir pra ir à padaria comprar cartão de telefone, pra poder te ligar, perguntar se estava tudo bem, e porque não me ligou e se ainda me amava. Mas nisso tudo eu tinha medo das suas respostas, tinha medo de ficar sozinho e de sofrer por amor.
A energia elétrica acabou, e a sombra das velas deixava a minha solidão quase fantasmagórica, eu enxergava vultos nos cantos das paredes, os fantasmas da minha alma saiam pra me assombrar e me puxavam de leve os cabelos da nuca.


Mas o celular tocou.
E era você.
Seu nome apareceu no visor do celular.
Meu coração de súbito explodiu.
Sua voz preencheu o vazio do meu coração.
Mas suas palavras me nocautearam.
E minhas pernas perderam as forças, por isso sentei na poltrona de frente a janela.

Pelo telefone você me deixou, e deixou minha alma pesada, não quis nem me ver para terminar, disse que amanha passava pra pegar suas coisas, que iria se mudar, e mudar de vida.
Agora nada mais tinha importância, o celular caiu no chão e se desmontou.
Um vento forte apagou as velas.
No escuro nenhuma lagrima escorria dos meus olhos.
Em silêncio eu perdia a alegria de viver.

Um estrondo no céu, iluminou por um instante a sala e pude ver meu reflexo na mesa de vidro.
Um estrondo no chão fez a mesa se quebrar.
Fez a lama invadir minha casa e a escuridão tomar conta de vez da minha vida.

Soterrado debaixo da terra e de todos os lares arruinados eu escutava passos desesperados e vozes confusas, e pensei que, se ficasse assim imóvel, em silêncio, ninguém me encontraria, e talvez eu pudesse esquecer de tudo, e deixar que o frio tomasse conta do meu corpo.

Porque você me deixou.
E agora nada mais importa.
Nem a chuva.
Nem o vento.