Ontem a noite choveu.
Choveu forte.
Bem no momento em que eu estava a pé, cruzando uma enorme
avenida.
Sem proteção eu me molhei.
E molhado eu fiquei.
Triste e com frio, pensei em tudo o que me aconteceu, desse
o dia em que eu nasci, pelo menos as partes em que eu me lembrava, e acabei
naquele dia.
Era uma sexta feira. Foi ontem.
Eu estava sozinho, molhado e melancólico.
Sobre a solidão nada é preciso dizer, pois não tem ninguém
pra ouvir. Molhado eu vou me secar, mas vou ficar doente. E a tristeza, bom...
ela sabe bem como me agradar, e fazemos companhia um para o outro, eu e a
tristeza, assim formamos um belo casal.
O emprego que me deram tomaram de volta naquele dia, o meu
tíquete refeição molhou-se dentro da roupa fina, e estragado ele não mais pode
me alimentar, minha carteira está vazia, mais meu coração está cheio, uma pena
ele ser tão grande dentro de um ser que se sente tão apequenado, e o caminho na
chuva é longo, e nem me atormenta os carros que passam nos buracos e jogam lama
na minha cara, é a vida, eu penso sem piscar tentando ver a gota de barro que
se apega ao meu olho.
Mas... um dia alguém vai aparecer, e dar o empurrão que
falta pra que eu possa cair no abismo dentro de mim. Esse alguém com dentes
brancos, olhar curioso e pele macia, vai me chamar de amor, vai dar o alimento
que minha alma precisa, vai me secar das chuvas da existência e vai me
questionar esperando sempre por uma resposta.
Da minha boca você nunca vai ouvir não.
Eu só penso assim porque chove forte. E o peso do fracasso
logo me faz diminuir o ritmo, e quando mais tempo eu fico na chuva, mais tempo
eu quero ficar.
Mas tudo isso foi ontem, numa sexta chuvosa.
E hoje é sábado.
A sorte está lançada.