Thursday, August 31, 2006

Tínhamos que viajar todo final de semana, mas o que era para ser um passeio agradável nas frias cidades do sul de minas se transformou em uma alucinante viagem regrada a muito rum, wisk e cerveja, como numa profecia misteriosa se encontraram bêbados antigos amigos quase sem querer naquela cidade onde os homens estão sobre as pedras, metaforicamente e literalmente. Iria ser do caralho, foi do caralho.

Vamos partir do começo do delírio.
O que acontece é fantástico demais para não ser contado.
São Tomé das Letras, você só acredita nesta cidade se ver com seus próprios olhos.

Estava sentado na área destinada ao camping, não havia paredes, teto ou janelas, os olhos eram as grandes janelas, o céu brilhava forte sem a lua e estrelas caiam a todo o momento e riscavam o azul escuro esplendido sobre nossas cabeças, eu tocava musicas calmas no violão, a intenção era relaxar e curtir o momento, e enquanto eu fazia o som havia outro preparando um cigarro de madeira no plástico há algum tempo, eu começava a acreditar que nunca iríamos fumar aquela droga, e nunca fumamos, não aquela em especifico.
Sem aviso os homens da lei aparecem, um camburão, “lá barca madre” subiu o barranco levantando a frente do veiculo e lançando aqueles imensos faróis na minha cara, o motor fez um barulho assustador, parecia um leão insano por carnificina prestes a me atacar, eu segui o conselho de quem entende de animais, nunca corra ou demonstre medo, foi o que eu fiz, não dei a mínima, o baseado foi dispensado discretamente, estávamos em três, eu e mais um casal, mantemos a calma e nos deixamos ser investigados pelo delegado cuja a cara não era a das melhores que eu iria ver aquela noite, ele dizia algo sobre assaltos naquela região, pura baboseira, ele queria mesmo era ferrar a gente pra valer, após me revistar e nada encontrar o policial partiu para barraca onde eu estava instalado, mas não havia nada lá dentro, nada mesmo, nem um cobertor ou qualquer mochila, aquilo pareceu frustrar um pouco o oficial, e pensei ainda, esses porcos estão perdendo seu tempo inútil na terra com a gente, porque não vão se divertir, beber alguma coisa, já era de madrugada e trabalho demais pode atrapalhar a vida de um homem, principalmente esse tipo de trabalho. Nada encontraram, se desculparam pelo incomodo, que é isso você só esta fazendo o seu trabalho, eu disse com um cinismo para o delegado, ele entendeu o cinismo, sabia que estávamos sujos, mas nada encontraram, e na luta das verdades encobertas nós marginais havíamos ganhados mais uma vez, mas até quando?

Assim que o carro da policia se afastou começamos a trabalhar em outro cigarro de madeira, e comentamos sobre o “susto” que acabávamos de tomar, era hora de se juntar a civilização, e a outros bêbados também, fumamos, piramos e partimos, rumo ao topo do mundo, rumo ao que iria se tornar uma das noites mais maravilhosas dos últimos meses, como outras noites maravilhosas por aqueles dias.

Havia certo movimento na cidade, as pessoas se alegravam ao som do regue tocando na lanchonete pequena e pouco limpa, ficávamos de longe fitando as pessoas dançando lentamente, eu me sentei no chão, sem muita cerimônia ou qualquer incomodo com o mundo, acendi um cigarro e soprava fogo dos meus pulmões, após alguns minutos de viagem eu percebi que estava sentado ao lado de um grande amigo, Jim como ele foi conhecido naquela cidade em uma outra noite lendária, ele também não havia me notado, e quando percebemos que estávamos há tempos lado a lado sem nos vermos a situação ficou completamente engraçada e irreal, bêbados as vezes não notam a presença das pessoas, mesmo sendo um grande amigo, eu me levantei apertei sua mão e perguntei sobre outros amigos, eles estavam na cidade, perdidos por entre as pedras naquela cidade de pedra, começamos a beber juntos, éramos quatro agora, a gangue estava aumentando, o delírio também.

Subimos mais um pouco até alcançarmos o cruzeiro, era uma vista maravilhosa, muitas estralas brilhavam no céu, constelações inteiras nos vigiavam, Kerouac disse em seu livro “On The Road” que Deus é a Ursa Maior, e talvez fosse mesmo, ele nos olhava, não sei se gostava do que via, mas nós sabíamos como nos divertir, isso era uma benção, poucas pessoas se divertem pra valer em situações tão inusitadas, vivíamos no sub-mundo, adorávamos o underground sujo e fedorento, mulheres sebentas, pessoas bêbadas e sem nenhuma noção de higiene pessoal, cachorros que falam, tudo isso fazia parte de nossas vidas, e ainda havia aquele céu imenso e maravilhoso, você não iria se divertir com tudo isso?

Muitos goles de Bacardi mais tarde estávamos agora em um grande numero de pessoas, algumas quinze eu acho, não posso confiar tanto assim na minha memória, nem na minha visão, não naquela noite, esperávamos o nascer do sol com muita ansiedade, falávamos muito coisas sem muita importância mais essenciais para o momento, fotos eram batidas, risos e vômitos se misturavam fazendo um som sem igual e a escuridão da noite dava espaço ao dia claro e amarelo que estava nascendo, o sol apontou, e o que aconteceu foi estranho, uma espécie de momento mágico milagroso insano e místico, alguns bêbados começaram a interpretar no violão musicas tocadas nas igrejas, “A paz do senhor, quero te dar meu irmão, com toda alegria que existe em meu coração” e por aí vai, foi bom, mesmo que de brincadeira mas era essa mesmo a nossa intenção, propagar a paz que sentíamos, bêbados falavam de paz e amor com a mesma pureza e sinceridade que os poetas do passado, o sol nasceu por completo, todos batiam palmas, e quando o som das palmas cessou Jim vomitou o que seria o comentário mais hilário de todo o fim de semana:
- Mas que merda hein!
Se referindo ao maravilhoso nascer do sol que acabávamos de assistir, a magia deu lugar à insanidade, que também tinha seu lado mágico.

Flagrei depois um amigo, o Cabelo, desabafando com um vira lata que escutava seus lamentos com atenção, se tornaram grandes amigos naquele dia, e nos três, Eu o Cabelo e o Cachorro, cujo demos o nome de “Mano” fumamos o ultimo da noite, que já era dia, e partimos em direção ao centro da cidade, me alimentei “gratuitamente” e fui para minha barraca solitária, sobrou um pouco de Rum na garrafa, cerca de vinte por centro de seu conteúdo total, adormeci sentido que deveria beber o resto sozinho, mas não consegui, melhor assim, sobrou algo para o café da manha.