Friday, March 23, 2012

O relógio na parede marcava meia noite e pouco. Era um relógio de ponteiros todo velho e surrado. Eu não gosto desse tipo de relógio, os ponteiros me confundem e eu não consigo olhar as horas direito. Não sou bom com números é isso.

Aquela hora era a minha hora preferida para escrever.

Com a brisa gélida noturna que entrava pela janela e percorria toda a casa. O silencio da cidade em sonhos, todos aqueles cachorros disputando nosso lixo e o efeito da bebida amaciando meus pensamentos, tudo isso somado aos cigarros baratos, perfeito para escrever.

Puxei a mesa para perto da janela, peguei o cinzeiro lotado, esvaziei no lixo da cozinha, completei com uma dose de Martini o maior copo que eu achei na casa.

Observei as estrelas e abri minha mente.

Os pensamentos se amontoavam e se chocavam. O amanha e o ontem se faziam escutar a todo o momento, como pragas indesejáveis, o presente era o que interessava, mas ele estava nebuloso.

A folha me encarava. Fria e impessoal. Distante. Vazia. Sem palavras.

Aquilo era um ultraje.

A folha zombava de mim.

Eu estava ficando bêbado. e aquele maldito pedaço de papel em branco ainda não possuía uma mancha se quer.

Sobre o que escrever? As possibilidades eram infinitas até onde eu podia ver. Mas eu não conseguia se quer controlar o fluxo de lembranças e desejos e anseios e todos aqueles trechos de livros e filmes e musicas que se misturavam e interagiam com o Martini e a fumaça dos cigarros que deixava a sala cinza e fosca parecendo muito com um sonho que eu tinha quando era criança, de estar perdido na névoa.

Eu estava perdido em uma folha em branco.

Perdi a paciência. Perdi o controle. E descobri o enorme buraco que existe dentro de mim, mas não é um buraco vazio, é um buraco cheio de coisas inúteis e pensamentos inconscientes e involuntários. Coisas que eu nunca quis aprender e que agora fazem parte de mim, invadindo o meu cotidiano e controlando os meus hábitos.

Eu não consigo pensar o que eu quero.
É a total falta de liberdade. Não conseguir pensar.

Abandonei a folha. Deixei o copo vazio rolar sobre a mesa até cair no chão.

E o cigarro ficou queimando no cinzeiro.

Que queime!

Pois é muito difícil tornar claro por palavras o que está obscuro ainda no pensamento.



.