O relógio na parede marcava meia noite e pouco. Era um relógio de ponteiros todo velho e surrado. Eu não gosto desse tipo de relógio, os ponteiros me confundem e eu não consigo olhar as horas direito. Não sou bom com números é isso.
Aquela hora era a minha hora preferida para escrever.
Com a brisa gélida noturna que entrava pela janela e percorria toda a casa. O silencio da cidade em sonhos, todos aqueles cachorros disputando nosso lixo e o efeito da bebida amaciando meus pensamentos, tudo isso somado aos cigarros baratos, perfeito para escrever.
Puxei a mesa para perto da janela, peguei o cinzeiro lotado, esvaziei no lixo da cozinha, completei com uma dose de Martini o maior copo que eu achei na casa.
Observei as estrelas e abri minha mente.
Os pensamentos se amontoavam e se chocavam. O amanha e o ontem se faziam escutar a todo o momento, como pragas indesejáveis, o presente era o que interessava, mas ele estava nebuloso.
A folha me encarava. Fria e impessoal. Distante. Vazia. Sem palavras.
Aquilo era um ultraje.
A folha zombava de mim.
Eu estava ficando bêbado. e aquele maldito pedaço de papel em branco ainda não possuía uma mancha se quer.
Sobre o que escrever? As possibilidades eram infinitas até onde eu podia ver. Mas eu não conseguia se quer controlar o fluxo de lembranças e desejos e anseios e todos aqueles trechos de livros e filmes e musicas que se misturavam e interagiam com o Martini e a fumaça dos cigarros que deixava a sala cinza e fosca parecendo muito com um sonho que eu tinha quando era criança, de estar perdido na névoa.
Eu estava perdido em uma folha em branco.
Perdi a paciência. Perdi o controle. E descobri o enorme buraco que existe dentro de mim, mas não é um buraco vazio, é um buraco cheio de coisas inúteis e pensamentos inconscientes e involuntários. Coisas que eu nunca quis aprender e que agora fazem parte de mim, invadindo o meu cotidiano e controlando os meus hábitos.
Eu não consigo pensar o que eu quero.
É a total falta de liberdade. Não conseguir pensar.
Abandonei a folha. Deixei o copo vazio rolar sobre a mesa até cair no chão.
E o cigarro ficou queimando no cinzeiro.
Que queime!
Pois é muito difícil tornar claro por palavras o que está obscuro ainda no pensamento.
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1 comment:
Que bom que voltou. Sempre passava por aqui em busca de notícias do Carlos ou suas... mas vc sumiu mesmo.
Bom ter você, ao menos uma parte de você de volta.
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