Thursday, November 07, 2013

Chego em casa cansado do trabalho e após trancar a porta me sento no sofá e suspiro sozinho.
Foi um dia daqueles. Eu não me sinto bem.
Ligo a TV. Depois desligo.
Vou até o quarto. Tiro as roupas do dia e coloco o roupão macio.
Volto pro sofá.
Vejo o telefone sobre a mesa, eu não me lembrava de ter um em casa. De qualquer maneira ele estava lá.
O telefone.

Pego e disco um numero qualquer.

Enquanto chama do outro lado da linha eu observo com o telefone preso ao pescoço uma barata atravessar a parede e sair pela janela, as baratas estão me abandonando, será melhor lá fora do que aqui dentro? É uma pergunta que eu faço pra mim mesmo.
Alguém atende. Uma voz feminina. De uns vinte e poucos anos. Deve ser loira, isso eu penso.
Pergunta se estou ligando por causa do anúncio de emprego do jornal.
Digo que não sei. Pergunto qual é o emprego em questão.
Recolhedor de animais atropelados. Ela me diz.
Não me parece uma boa.
E pouco a pouco a conversa vai fluindo, me ajeito no sofá e recolho as pernas pra me esquentar, ela tem uma voz doce e amigável.
Logo estaríamos tentando adivinhar o signo um do outro, a idade e coisas parecidas, descubro que ela é morena e não loira, e vamos falando coisas sem importância, como se fossemos amigos que a tempo não se viam.

Acho que estou apaixonado, eu digo, por você.
Ela sente o mesmo, ela diz, por mim.
Ficamos um tempo em silêncio. E depois confirmamos os votos de paixão.

Foi como num filme, conhecer a mulher com quem eu passaria o resto da minha vida.
Ficar com ela era tudo que eu sempre quis.

Uma outra ligação espera na linha. Eu peço que ela espere. Vou atender.

Eu digo alô, e pra minha surpresa quem responde do outro lado da linha sou eu mesmo.
Me perguntou que diabos eu estava fazendo. Conversando com uma mulher imaginária, sonhando com uma paixão invisível, trocando palavras de carinho com o telefone mudo.
Ele me diz que eu não sei mais quem eu sou. Qual parte da vida é real ou inventada.

No telefone um homem que digita um número aleatório sem saber quem é ou com quem está falando na verdade fala consigo mesmo e no final das contas todas as respostas dadas pra tudo são respostas que você mesmo gostaria de ouvir.

As palavras vindas de mim mesmo me machucam por dentro.
O frio entra por debaixo da porta e a barata retorna e faz seu caminho de volta.

Carlos Caseiro desliga na minha cara.
A mulher da outra ligação não aguentou esperar. E também desligou.

Arremesso o telefone com violência contra a parede. Ele vai. E me mostra. Que não estava conectado a lugar nenhum, que na verdade não funcionava fazia anos, estava todo empoeirado, estragado e velho, sem utilidade.

Eu me levanto. Vou até a cozinha. Me faço um drink bem forte. Acendo um cigarro.
Esqueço da mulher. Mas penso no que o Carlos Caseiro me disse.
Ele me disse muito.

O que me preocupa é o que ele deixou de dizer. 

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1 comment:

Dani said...

"A mulher da outra ligação não aguentou esperar. E também desligou."