Quatro horas da tarde, e eu vagava bêbado, sujo e perdido pelas ruas escaldantes no verão daquele ano miserável. E era naquele momento um retrato bem fiel da minha condição, enquanto homem racional. Eu não tinha para onde ir, por isso ia pra qualquer lugar, a procura de bares nas ruas estreitas do canto da cidade.
Em uma das tardes algo aconteceu, resolvi tomar uma sopa em uma cafeteria do centro, perto do antigo cinema, as ruas eram largas e um canteiro com altas palmeiras dividia o trafego dos carros, me pareceu estranho na hora, mas não havia ninguém naquele momento a vista, nenhum veiculo, nenhum cachorro, nada, não havia nada, a não ser o sol imenso a radiar no céu. Sentei no fundo perto da televisão, o ultimo lugar do balcão. De cabeça baixa eu observei as mãos de uma mulher se aproximar com o bloquinho de anotações, meu pedido foi uma sopa de legumes e uma dose de vinho, do vinho mais barato que eles tivessem, nem olhei na cara da garçonete, e esperava impaciente a comida e a bebida.
O prato foi entregue pelas mesmas mãos que me atenderam, dessa vez sem o bloquinho.
A sopa estava ruim e a dose veio pequena, não era o meu dia de sorte.
Com a colher na boca eu senti alguma coisa estranha na sopa, alguma coisa sólida demais, cuspi de volta sobre o balcão e não acreditei no que meus olhos presenciaram, um band-aid todo molhado e enrolado, usado e agora na minha sopa, em momentos anteriores dentro da minha boca em contato com a língua.
Irado eu joguei o prato para o alto e a taça de vinho no ventilador, falei alto e nervoso com os atendentes, reclamei mostrei o band-aid e xinguei a mãe de cada um deles.
Mas foi quando eu vi.
A criatura mais bela que deus já criou.
Nenhuma palavra descrevia a beleza daquela mulher.
Dona das mãos que me atenderam. Seu rosto envergonhado pelos meus gritos.
Com um pequeno corte exposto em um dos braços, faltando justamente o band-aid que eu tinha chupado.
Sem falas pelo terrível mal que eu acabara de fazer aquela mulher, a garçonete, eu não sabia o que dizer, todos notaram minha repentina mudança de comportamento, eu não conseguiria olhar nos olhos dela novamente, de cabeça baixa eu saí da lanchonete, corri pela avenida dessa vez muito movimentada, cheia de carros e pessoas com sacolas desviando dos cachorros e dos mendigos no chão, corri tanto e tão rápido que meus pulmões começaram a arder, queimavam como fogo de uma enorme churrasqueira cheia de carne, mas eu não parava, e quando eu não consegui mais suportar o cansaço entrei num beco, pequeno e sujo, e me joguei de joelhos.
Eu via na minha memória a garçonete.
Seu rosto angelical coberto de vergonha.
Seus olhos pequenos vermelhos de tanto chorar.
Mas dessa vez sou eu quem está chorando, e as lagrimas escorem pelo meu rosto sujo e deixam um rastro escuro.
E meu coração a se torturar.
Tudo isso porque eu tinha dentro de mim, um pedacinho dela.
E eu nunca mais iria esquecê-la.
3 comments:
impossivel esquecer...
ela pode estar mais perto do que você imagina, e só você não percebe.(ou finge não perceber).
impossível te esquecer.
por onde anda Carlos Caseiro? Sinto falta das aventuras. Entro todos os dias pra ver se tem alguma novidade.
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